sábado, 20 de fevereiro de 2010

Bateira de bicas ou da chincha ( II )



Construídas com madeira de pinho manso no cavername e bravo no tabuado do fundo e costados, mantinham a sua forma através do pau de pontos e do método tradicional da construção na Ria de Aveiro.

As medidas habituais são:

Comprimento……………...…...…………...8 m
Boca…………………………..….……….1, 90 m
Pontal…………………………………...0, 65 m
Número de cavernas…..…..……………....16

Modelo da bateira de bicas, à escala 1/25



Para construir o meu modelo, na escala 1/25, recolhi medidas no Museu Marítimo de Ílhavo, onde temos uma destas embarcações, construída pelo Mestre António Esteves, de Pardilhó.

Chincha, no MMI

Pormenor da bica da proa (modelo)



Utilizei madeira de choupo nos costados e ramos de limoeiro no cavername, nas rodas de proa e popa e nas bancadas. Apliquei nos remos, madeira de castanho, e na rede, gaze banhada em bondex, cortiça e fio de algodão. A fateixa foi construída com arame de cobre.



Lisboa, 6 de Janeiro de 2010
António Marques da Silva


Mais uma elegante bateira para a colecção a que o hábil Amigo Marques da Silva se vem dedicando ultimamente. E não será a última.

Como na bica da proa, todos os proprietários lhes aplicam um ramo de flores e imagem de sua devoção, tudo fiz para conseguir mini-florinhas que pudessem enfeitar o nosso mimo.
E elas lá estão na última imagem.

Marques da Silva, além de todas as capacidades manifestadas, tem, também, na construção destes últimos modelos, revelado uma grande preocupação pedagógica. Desenha igualmente um ou dois planos de pormenor, à escala, acompanhados de uma pequena descrição e de algumas fotos cedidas em CD, que completam uma pastinha vendável na loja do Museu de Marinha. A mesma sugestão foi por transmitida à Direcção do MMI, quanto aos dois últimos exemplares, até porque os originais, em tamanhos reais, são aqui albergados na Sala da Ria.

Pensa Marques da Silva fazer agora, uma bateira, bem da nossa Ria, exótica, elegante, mas rude, em toda a sua agressividade. Tem, para mim, uma história especial. Aguardemos.

Fotografias – Gentil cedência do Sr. Salta (MM) e arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 20 de Fevereiro de 2010

Ana Maria Lopes
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Bateira de bicas ou da chincha (I)



Agradou-me imenso a escolha do modelo de embarcação a fazer pelo Sr. Capitão Marques da Silva – a bateira de bicas ou chincha –, porque é muito do meu agrado. Pergunta-se: – Haverá alguma com que não simpatize?


Segundo Marques da Silva, este tipo de bateira, muito usado na parte norte da Ria de Aveiro, ainda hoje se pode observar com frequência no trabalho de pescadores da Torreira. Embora quase todas tenham motor de popa, conservam as suas formas airosas, muito bem adaptadas à pesca naquela zona da ria com a rede de arrastar para a praia, chamada chincha ou chinchorro.

São de proa e popa bem levantadas, fundo arqueado, costados arredondados e boca de maiores dimensões, em relação às outras bateiras.

Embora possam aparecer com enora na bancada do meio e carlinga no fundo, parece-me que somente são aplicadas para mastro festivo. Normalmente não têm leme, nem ferragens no cadaste.

Bateira de bicas, na Torreira – Anos 80


Desloca-se com dois remos de escalamão, para um ou dois remadores em cada um. Nunca vi nenhuma navegar à vela.

Antigamente, havia muitas bateiras deste tipo em S. Jacinto. No Verão, pescavam caranguejo fora da barra e eram chamadas bateiras de ir ao mar.

Trabalhavam com uma rede chamada mugiganga que largavam em forma de cerco, para apanhar aqueles caranguejos, os pilados que se aplicavam como adubo para os campos.

Panorâmica da rede, com saco e mangas afastadas

Normalmente, eram pintadas de uma ou duas cores de tons vivos, sendo brancas as caras de vante e da popa.
Na bica da proa, aplicavam-lhes um ramo festivo e/ou uma imagem da sua devoção.

Pormenor da bica da proa, na Torreira


(Cont.)

Ílhavo, 12 de Fevereiro de 2010

Ana Maria Lopes
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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Modelo do Gil Eannes engrandece MMI (2ª parte)


O Gil Eannes, navio de apoio à frota bacalhoeira, era um robusto navio hospital de 98.450 m de comprimento de fora a fora, 13.716 m de boca, 8.000 m de pontal, 5.490 m de calado carregado, velocidade de 13 nós e capacidade para 72 tripulantes, 5 passageiros e 74 doentes. E, inovação para a época, dispunha de câmaras frigoríficas para fornecimento de alimentos frescos. Agora, com os meios de frio de que este novo navio era dotado, podia haver carne fresca diariamente e sem dependência directa de terra.

O Gil Eannes


A vida a bordo dos bacalhoeiros era difícil. Os momentos de lazer, nas poucas horas que sobravam entre o sono, a pesca e o amanho do bacalhau, passavam-se vendo filmes e jogando cartas. Uma rara distracção era uma visita a St John's, onde as populações terranovenses continuavam a acarinhar estes sacrificados do mar que eram os nossos pescadores. Mas agora a frota dispunha dum capelão para assistência religiosa, um desabafo humano, ou para dirimir pequenos conflitos.

Nos bancos da Terra Nova, o Gil Eannes, além das funções de navio-hospital, também distribuía correio, abastecia a frota de víveres, combustível, apetrechos de pesca e isco. Foi rebocador, salva-vidas e quebra-gelo: quando um dóri ficava encalhado no gelo, o Gil Eannes ia ao local, quebrando o gelo com o seu casco de aço, e abria o sulco de retomo ao barco sinistrado.

Mas ao fim de vinte anos de trabalho, o Gil Eannes ficou velhinho. Velhinho e gasto.

Original imagem do navio, em campanha


A sua última viagem à Terra Nova foi em 1973, mas, neste ano, fez uma viagem diplomática ao Brasil, como embaixador de Portugal. Depois, o Gil Eannes deixou de ser útil. Ainda foi à Noruega para de lá trazer bacalhau fresco nas suas instalações de frio e trouxe refugiados de Angola.

Mas, depois, foi sendo empurrado, como um fardo inútil, de cais em cais, do porto de Lisboa, até se anichar no Cais da Rocha do Conde de Óbidos, donde o venderam para abate, em 1977, à empresa Baptista & Irmãos, Lda. Foi a Alhos Vedros que a Comissão Pró Gil Eannes o foi buscar para o tratar e reabilitar.
Ele aí está, em Viana do Castelo, terra que o viu nascer, em 1955, aberto ao público e transformado em museu flutuante.
Totalmente recuperado e remodelado, mantido e gerido pela Fundação Gil Eannes, este navio, que fez carreira notável nas gélidas águas da Gronelândia, exerce agora outras funções: é explorado como espaço museológico e também como Pousada da Juventude, através das antigas enfermarias, recuperadas.

Fonte – Brochura original Gil Eannes, construído pelos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, para o Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau, em 1955.

Curioso é que entre os Amigos do Museu, um dos mais respeitáveis é o nosso idóneo Amigo Vitorino Paulo Ramalheira, que fez a sua primeira viagem à Terra Nova, em 1951, como terceiro piloto do primeiro Gil Eannes, com o seu Pai, Comandante João Pereira Ramalheira. Não podia deixar de assistir à chegada deste modelo e emocionado – confessou-nos.


“Para além da assistência médica propriamente dita, o Gil Eannes levava mantimentos, combustível, sal e água doce para abastecer a frota. Transportava ainda encomendas para os navios, batatas e isco congelado, e também dava assistência religiosa. Tinha um capelão a bordo para dizer a missa e dar apoio moral aos doentes", recorda o Capitão Vitorino, recentemente, em entrevista ao jornal Público, de 2.1.2010.

Fotografias gentilmente cedidas por vários Amigos e arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 4 de Fevereiro de 2010

Ana Maria Lopes