domingo, 12 de fevereiro de 2012

Tradição escrita...das "memórias ilhavenses" do Titanic - 2

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Já em 1996, quando Jean Pierre Andrieux me ofereceu o seu livro Disasters & Shipwrecks, vol. 3, 1940 – 1980, li uma passagem que me surpreendeu, segundo a qual, no Verão de 1993, num almoço a bordo do arrastão de popa, Inácio Cunha, que então dirigia o Comandante António M. São Marcos, a propósito da expedição de 1993 ao Titanic, onde foram recuperadas louças, pratas e outros artefactos do desafortunado navio, mostrou que isto não era novidade para si e que, desde criança, convivera com “pratas” do Titanic.
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Como podia ser, se os primeiros objectos só haviam sido recuperados na expedição de 1987(?) –interroguei-me.
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Como vim a perceber, para meu grande espanto, um seu familiar, o Capitão João Francisco Grilo, tinha comandado o Leopoldina (?), na Primavera de 1912. Após a tragédia do Titanic, os Grandes Bancos estavam pejados de despojos flutuantes do desafortunado paquete. A tripulação do navio recolheu alguns destes destroços, entre os quais estava uma arca com talheres, todos marcados com o símbolo da White Star Line, proprietária do paquete. Quando regressou a Portugal, apresentou o lote ao armador do navio, que não se interessou muito pelo assunto, aconselhando-o a ficar com uma parte e a distribuir os restantes, em Ílhavo, pelos familiares e amigos mais íntimos.

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Daí a explicação para o facto de algumas famílias de Ílhavo, incluindo a minha, possuírem uns tantos, poucos, talheres do Titanic. Pergunto eu: será que isto é verdade e os talheres seriam reconhecidos como tal? Demorou até ter uma certeza, que considero consistente.
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No Verão de 2008, o Capitão João Laruncho de São Marcos presta este testemunho, em Memórias de um Pescador:

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No lugre Leopoldina (?), em fins de Maio de 1912, o ti João Grilo, capitão de navios uma vida inteira, em fins de Maio de 1912, ao chegar à Terra Nova, encontrou aboiado e apanhou um armário de sala de jantar do paquete Titanic, com talheres da “White Star Line” que, ao chegar à Figueira da Foz, em Outubro, concluída a campanha de pesca, entregou ao seu armador, Lusitânia de Pesca.
Destes talheres, guardo como relíquia de valor incalculável e da herança deixada do capitão Grilo, um talher.
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Creio que este talher, hoje, já está na posse de seus filhos.
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Por duas vezes, aparece evocado o nome do Capitão João F. Grilo (Frade), como sendo o autor dos achados, enquanto capitão do lugre Leopoldina.
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Amigos também versados no assunto alertaram-me de que teria sido, de facto, o Capitão João F. Grilo, mas a bordo do lugre Trombetas, um primeiro que existiu, já registado em 1903 na Figueira da Foz, antes do construído em Fão em 1922.


Ficha do GANPB, do achador


Esta informação também está confirmada na grelha existente na página 99 do livro de Manuel Luís Pata, A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau, Vol. I, que regista a chegada do lugre Trombetas a 27.10.1912, tendo como capitão João Francisco Grilo, com base na informação que lhe chegou através do jornal A Voz da Justiça, da Figueira da Foz, daquele mesmo ano.



1º Lugre Trombetas – 1913



De achado em achado, não é que não descobri que alguns talheres com a mesma origem dos meus, eram carinhosamente albergados numa casa da minha rua, há mais de cinquenta anos, na posse de familiares de terceira geração do Capitão Grilo?
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E nunca tinha ouvido dizer…
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Tenho provas de que algum secretismo envolvia a posse destas «relíquias», no seio das famílias em que existiam.

Para além de colheres de sopa e de chá, também vi, pela primeira vez, garfos do mesmo faqueiro.





Garfos



Mas os tempos são outros, e o mundo, na sua globalidade, permite encontros, trocas de ideias, reconto de histórias – os talhares ilhavenses do Titanic tiveram a sua confirmação plena e entraram na história dos artefactos do malogrado navio.


A descoberta em 1985 dos seus despojos, no fundo do oceano, as sucessivas exposições de artefactos, a partir de 1994, pelo mundo inteiro, para nós, foram aceleradas pelo acaso do ilhavense José Paulo Vieira da Silva, com quem convivemos, ter comandado o navio de pesquisa Jean Charchot, no Verão de 2010, numa última exploração em que uma equipa habitual de oceanógrafos, arqueólogos, cientistas e historiadores, recolheu imagens em 2 e 3 D, bem como dados preciosos para os estudos em causa.

E mais uma vez Ílhavo e a rota do Titanic se cruzaram – conheceram-se e aproximaram-se pessoas e objectos, num interesse comum e fascinante.

E as acções concretizaram-se. Numa adesão da CMI ao projecto, a sala da Faina Maior e o Arquivo do MMI serviram de palco a filmagens, bem como a minha rua, mesmo em obras de remodelação, e algumas das casas relacionadas com o achado.

Também no cais da Gafanha da Nazaré e noutros locais envolventes se caçaram imagens, tendo contado com todo o entusiasmo o que sempre ouvira dizer e o que fui aprendendo e constatando.


Outros actores «contratados», improvisados, mas empenhados, narraram com emoção as suas estórias verídicas, dando corpo a um mito(?), que tem fôlego para ser confirmado.
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Aproveito para agradecer, em nome do programa Thalassa, da TV francesa, a boa vontade da edilidade e de todos os outros participantes, que se afirmaram em equipa.



(Cont.)



Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ficha do Grémio - Gentil cedência do MMI



Ílhavo, 12 de Fevereiro de 2012



Ana Maria Lopes
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1 comentário:

Sara Bandarra disse...

Um verdadeiro puzzle, realmente.
Muito interessante.
Obrigada por partilhar.