domingo, 7 de julho de 2013

Uma janela para o sal - II

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Limpeza de lamas e moliços
É o início do árduo sustento desta gente, que vive do salgado labutar entre a ria e o mar.
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No seu pequeno mundo de contrastes entre o negro e o branco, a marinha renasce do espelhado alagado e desperta de uma longa entressafra, para a safra, no meio de grande azáfama.
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Com as marinhas alagadas por processo natural ou «por mãos criminosas», após os rigores da invernia, a safra começa entre Abril e Maio, quando a mãe-natureza providencia.
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Para o marnoto, são meses de «negro sal» de calor e de frio, do escuro azul das águas, do verde amarelecido das algas e moliços, do negro das lamas escorregadias...
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Nestes trabalhos preparatórios, homens, mulheres, rapazes e raparigas, em família ou em contrato, trabalham em prol de um sustento comum.
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Desses pequenos «cristais brancos», que temperam, à mesa, depende o alimento de marnotos, moços, barqueiros, armazenistas e comerciantes – esse sal, que é condimento para todo o alimento e alimento para a todas as bocas.

 

Moços ainda, tenros rapazes filhos de pai marnoto, aprendem e sentem o tempero do sal e o ardor do sol nesse corpo imaculado, antes de serem homens.
 
 
 
Ágeis, mas já fortes, acarretam verdes e negros restos de algas e de lamas, nas suas canastras de sonhos, sobre rodilhas de anelos que ainda pairam sobre as suas cabeças inocentes.
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Percorrem, correm e jogam no equilíbrio de seus corpos leves e lestos, o jogo dos «tabuleiros», como sói chamar-se-lhes, por finos e grossos liames, das barachinhas aos machos.
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Marnotos e moços descascam, ressecam, remexem, estrangem com pá cova e com forquilha, bimbam as beiras e acarretam da marinha os restos da entressafra, que no alagamento ficaram e se criaram – são algas, são moliços, são negras lamas.
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Entre a marinha velha e a marinha nova, velhos e experientes marnotos ensinam os moços novatos a estranger os meios, a recuperar muros e barachas, a tirar o entraval, limpando-o das lamas, que acarretadas para montes, ressecam ao sol... para futuros consertos.
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Nota - Para esclarecimento de linguagem técnica, consultar GLOSSÁRIO de Diamantino Dias.
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Imagens | Paulo Godinho | Anos 80
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21 | 05 | 2013
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Texto | Etelvina Almeida |Ana Maria Lopes
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1 comentário:

João Reinaldo disse...

Com a vaga de calor que nos visitou nestes últimos dias, nada melhor do que o sal para restaurar as nossas forças.
Parabéns às "marnotas"!
Continuem a transmitir aos mais novos os vossos amplos saberes da nossa ria.