sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Desafiado a um relato da CHINCHADA...

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Desafiado a algo dizer – embora sem delírios (?!!) que a autora reconhece no meu palrar – para assim dar conta das Chinchadas Monumentais organizadas pelo grupo dos «sete magníficos»,  anos seguidos, na Costa Nova, no dia 15 de Agosto, de cada ano.
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O grupo era constituído por Francisco Meneses, Zé Parada, José Ançã, João Carlos Loureiro, Jorge Picado, Carlos Duarte, Manuel Cândido Amador e eu.
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Ano após ano, púnhamos de pé uma complexa organização. Prévia e atempadamente apregoada, nos característicos «avisos» programáticos saídos da mão prodigiosa do João Carlos Loureiro (o mesmo acontecendo no S. Martinho).


Chinchada 73

Eram distribuídos aos amigos de aqui, mas e também, muito especialmente aos ílhavos que a profissão desviara para Lisboa: Alberto Bixirão, João Bela, Fernando Lau, e outros. Também em particular atenção para os amigos do grupo, embora de uma outra geração mais velha, onde pontificava meu Pai (sempre a adorar estar perto do filho e dos amigos), o Cap. Zé Vaz, inefável e inenarrável contador de estórias apimentadas, homem de um humor fino e privilegiado, o «Teiguinha», irmão de peito de meu Pai a quem consagrava verdadeiro culto; Ferreira Jorge, o eterno sonhador, homem de carácter a que Ílhavo tanto deve, amigo do seu amigo, que foi um meu companheiro de jorna, até ao seu fim. E muitos outros. Todos podiam convidar os seus amigos. Que por vias disso, nossos amigos eram. E é por isso que a fotografia apresentada pela AML, foi cedida pelo juiz Dr. Lamas, um dos convidados habituais. Juntamente com o Juiz de Vagos, o «El Gordito», senhor de uma alegria contagiante, que parecia ter, no lugar do estômago, antes uma esponja sequiosa. Outro habitué era o velho «Monchaine». Trazia sóbrio e direito, o D. João, Visconde de Taboeira, e o levava deitado, majestosamente embalado, para a cama de dossel e colgaduras onde deveria sonhar com o encargo real de vedor da adega celestial.

 
Binhos

O grupo organizador, esse ia, responsavelmente, de véspera, para o local, onde se ia dar a batalha de fruição das vitualhas divinais. Que as mãos experientes dos master chiefs gourmetsFonseca & Meneses – iriam certamente prodigalizar.
Obrigatório, era cumprir «as vésperas». Ainda que reduzida a sua celebração, ao grupo organizador, eram, depois de terminados os arranjos do campo, mercadas por opípara jantarada. Cada um tinha a sua função: o Parada era o organizador do campus; o Zé Ançã era o homem que tratava das buídas – que se requeriam muitas e boas – sendo seu especial encargo encanteirar (em segurança) os pipos. E apor-lhes à distância de uma mão, duas confortáveis cadeirinhas (para o dito D. João e para o El-Gordito), que gostavam em particular, de degustar em repouso, o bairrada seleccionado. Os irmãos Amadores eram os achegadores das vitualhas, transportadores dos mantimentos e seus guardadores. E claro, os contabilistas, que ali não havia borlas para ninguém. O João Carlos era o fazedor da complicada engenhoca, o assador campal onde ao outro dia se churrascava, umas vezes, uma vitela inteira, outras, mais comedidamente, um caprichoso suíno de boa seba.
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Voltando à foto. Pelo que relatarei, creio ter-se tratado da «Monumental Chinchada» de 1971. E explico porquê.
Os primeiros lanços da chinchada, nesse ano, a que eu, liberto dos afazeres da cozinha ainda assisti, terão começado pelas 7 da manhã. Às oito aparece-me o Cap. José Negócio (vindo da lota de Matosinhos onde era o capataz) com uma enorme lagosta viva. Enorme (!), pois nunca tinha visto alguma com aquela envergadura. Nem nunca mais vi. Talvez com uns bons 5 kg. Então logo me lembrei de uma partida. Entreguei ao Carlos Duarte (ou José Ançã) a lagosta, pedindo-lhes que, sorrateiramente, a levassem no saco, e, no momento da chegada da rede, fossem por detrás, e a lançassem na sacada da rede da chincha. Assim acontecido, imagine-se o pandemónio, quando, no meio de umas tuberculosas tainhas e do escasso, surge aquele monstro marinho.
A chinchada era acompanhada, por terra, por um balcão de vime, que continha bebidas para retemperar as forças aos participantes, após cada lanço. Dirigia e carregava, o bar, o Alberto Bixirão. Logo o bar se transformou altar de tasca, onde todos quiseram celebrar e discutir o milagre, digno de sermonário e responso. Só ali faltava o Padre António Vieira.
Mas a chinchada continuou. E eis que num lanço em frente à mota da barca, quando subiam a cortiçada para evitar o salto da tainha, o Zé Ançã exclama:
- Eh pá cuidado; anda aqui tubarão….Bateu-me numa perna, e não vos digo nada.
Claro que todos se riram da brincadeira.
- Vê lá se te come a mãozinha da direita e viras XUXALISTA….logo lhe atiraram…
O melhor estava para acontecer. Aberta a sacada, depara-se com uma enorme corvina. E que corvina (!): mais de doze quilos.
Só me lembro do desalento dos arrais das bateiras:
- E anda um home a esgalmir, noite e dias, a apanhar escasso …e vêm estes pis…… e é o que se vê. É que nunca na p… da nossa vida vimos tal coisa.
Ora certo é que no grupo, quando o caso da lagosta começou a ser murmurado, logo se pensou que a corvina também fora lá posta. O difícil foi convencê-los da fortuna. No cartaz do ano seguinte, lá aparece a corvina pendurada no pinheiro, tal como esteve no ano anterior.
 
Corvina

E o certo é que a corvina, foi assada (no forno de lenha) e comida, na cena seguinte, em casa do Sr. Manuel Casal.
E eram assim, as nossas «Chinchadas Monumentais». Que procuravam não deixar morrer a tradição, como as que relato no livro «Costa-Nova-do-Prado – 200 Anos de História e Tradição».
Como terminavam? Bem aí é que era chegada a hora dos valentes. Íamos jantar à casa da Barra, e depois era chegada a minha vez de levar os mais teimosos a casa. Toda a gente se habituara a que, sucedesse o que sucedesse, eu estaria mais ou menos sóbrio para levar a casa a procissão dos anjos que se não atrevessem a ir pelos seus pés. Felizmente que ainda não havia balão.
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Mas ficamos por aqui, assim manda a desafiante….

Costa Nova, 14 de Fevereiro de 2014

SF

Nota – Agradece-se ao autor, assim como se salvaguardam os direitos.

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