sábado, 27 de dezembro de 2014

O grande carregador da Ria

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Que mais dizer de novo que ainda não tenha sido estudado ou publicado sobre o barco mercantel, acerca da sua função como carregador do sal – saleiro –?
Respiguemos, aqui e ali, o que diversos autores transmitiram, nomeadamente Senos da Fonseca, Inês Amorim e outros, sobre esta função do mercantel, o grande senhor da ria.
Que está extinto, é uma realidade e que é uma pena, também.
 
Como manter a sua memória? Divulgando imagens? É uma hipótese. Exibi-lo, como barco de museu? Outra. Nenhuma lhe tira a saudade da sua navegação e presença na ria, em labores diversos.
Eram-me familiares, quando na adolescência frequentava bastante o cais da Gafanha da Nazaré.
 
Fotografei-os, sem ter a noção que registava futuras relíquias. 

Gafanha da Nazaré. 1963. AML
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Pessoa amiga cedeu-me alguns registos do último mercantel construído pelo Mestre Joaquim Raimundo, da Murtosa, em 1959, em dia festivo de bota-abaixo.
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Um dos últimos mercantéis. 1959. PHC

Ainda para serviço efectivo, foi construído em 1973, o último mercantel, por Mestre Lavoura, afamado construtor de Pardilhó.
Como peça de museu, o MMI acolheu um, para exibição, em 2001, construído por Mestre Esteves, também de Pardilhó. E lá continua…
Muitas serventias…
O grande carregador lagunar teve três funções essenciais:
- Na passage, sendo mais conhecido, pela designação de barca.
- No carreto – de variadíssimos fretes – o junco, o caulino, a madeira, peixe, fruta, cereais, animais, artigos de artesãos locais, etc.
- No transporte específico do sal – o saleiro.
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O Cais da Ribeira de Ovar era o destino mais habitual do sal. Em tempo de abastança!

Ribeira de Ovar, em meados do século XX
Arquivo Aveiro

Com a evolução dos tempos, com a construção de estradas e pontes, com a diminuição de alguns destes produtos, a utilização do mercantel foi-se tornando cada vez mais escassa, conduzindo-o ao desaparecimento total.
As imagens que se seguem, inéditas e estonteantes, são registos de sonho, testemunhos de uma época não muito distante, que já não volta. Conseguidas do alto da Ponte da Varela (sempre depois de 1964), atestam idas e voltas de saleiros vazios e cheios, impulsionados por uma brisa suave que enfunava uma ou duas velas.
Imagens raras, etéreas, divinas, espelhadas entre azuis cerúleos, mortiços e acinzentados, distintos, sem linhas de horizonte notórias.

 
E o olhar alcandorado do arco central da ponte esfuma-se entre barco, sal e majestade da ria…
 
 
Têm a dimensão de uma visão efémera… 

 
Imagens finais – Gentil cedência do Sr. Comandante A. Bento
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Ílhavo, 27 de Dezembro de 2014
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Ana Maria Lopes
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