segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Contrastes na Ria

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Duas imagens de que gosto. São o oposto.
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Poder-lhe-íamos chamar: Contrastes. Qual delas a mais bonita?
 
É dia…

É noite…

Evocam-nos vocábulos opostos. Jogos de palavras. Por detrás da antinomia sempre presente, o bucolismo da paisagem lagunar. De uma paisagem lagunar que já foi.
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Na primeira imagem, o fim do peso da rotina de mais uma emposta, as velas atadas em fim de tarde, projectada no azul celestial, aqui e ali sujo por uns fiapos de algodão, a servirem de fundo à irmandade colectiva dos amanhadores da ria. É dia.
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Na segunda, um prateado sobre o azul-cobalto da ria, originando sombras negras como lava, pintadas no silêncio do recolhimento de um olhar sempre amanhecido.
Jogos de luz que se entretêm a colar tatuagens sensuais sobre o corpo da laguna, em ensaios cenográficos de volúpia deslumbrante, que a emoção colhe por inteiro, sôfrega, ainda antes da compreensão os tactear à superfície das águas.
E ali em qualquer lado, em qualquer parte escondidas, as galhetas, em bandos, à procura de poiso para dormir, em lamento, piando em baixos e agoirentos dizeres, até que a luz agonize e sejam horas do sono. É noite.
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A ria dorme para serenamente embalar o moliceiro no cochilo.
O mar, não.
O mar não tem sossego. O mar resmunga sempre, espreguiçando-se pela areia branca.  
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As duas imagens são da nossa ria, em situações opostas. A superfície lagunar tem destas coisas: noite/dia, claro/escuro, agitação/descanso, velas brancas, mastros negros. Apreciem-nas.
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Contrastes também do dia e noite de hoje: o bulício, o rebuliço, o alvoroço diurnos dão lugar ao sossego, à paz e à calma nocturnas.
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Repesquei estas palavras de um post que tinha colocado no dealbar do Marintimindades, com algumas alterações. Hoje, já lá vão sete anos, ou é de mim, ou da ria. Sinto tudo murcho, muito despido e desmazelado, apesar de ser lua-cheia e maré-viva. Resta-me o horizonte, nos seus cambiantes volúveis, ao longo das diversas horas do dia. E, quando estou em silêncio, como agora, com o tal dito horizonte por fundo, o meu trabalho preferido é brincar nostalgicamente com as palavras, trabalhando-as, mudando-as, acoplando-as, contrastando-as. Contrastes em mim e na ria.
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Fotografias – Arquivo pessoal da autora (anos 80)
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Costa Nova, 3 de Agosto de 2015
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Ana Maria Lopes
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