quinta-feira, 23 de junho de 2016

Homens do Mar - João Fernandes Matias - 11

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Continuando pelas vizinhanças, lembrei-me de trazer a lume o Capitão João Matias, mais conhecido por João da Lúcia ou João da Madrinha, de quem bem me lembro. Tendo morado numa bonita casa, o nº 24 da minha rua, Rua Ferreira Gordo, passava frequentemente à minha casa. Tendo, noutro dia, de ir falar com o João Sílvio e com a Cilinha, seus filhos, já com uns aninhos, de que me lembrei?
De perguntar se tinham fotografias do Pai, sobretudo a bordo. A Cilinha foi-me buscar um álbum, que tinha de tudo, mas lá encontrei o Capitão João Matias, a bordo, em vários navios e situações identitárias. Voltei radiante… Mais trabalho, mas que valeria a pena.
Nascido em 16 de Abril de 1903, faleceu a 27 de Fevereiro de 1992, num acidente fatal ao atravessar a 109, com 88 anos. Terá zarpado para o mar desde cedo, como todos os seus contemporâneos, levado por familiar ou amigo, tendo obtido a cédula marítima em 23.7.1918, passada pela capitania de Aveiro.
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Começou a vida profissional como piloto no Nazaré, da praça de Aveiro, do comando de seu pai.
Entre 1934 e 1941, ocupou o cargo de piloto no lugre Gaspar, sob o comando do Sr. Manuel de Oliveira Mendes. De 1931 a 1933, o navio não foi à pesca, segundo Manuel de Oliveira Martins, autor do livro Viana e a Pesca do Bacalhau.
O lugre Gaspar era o ex-Sarah, de madeira, construído em 1919 na Figueira da Foz, por Manuel Bolais Mónica e adquirido para a campanha de 1921 pela empresa Novas Pescarias de Viana, Lda.

A bordo do lugre Gaspar com o Eng. Queiroz, seu armador. S/d.

Em 1942 e 43, ocupou o lugar de piloto, sob o comando do Cap. José Nunes de Oliveira, mais tarde capitão-chefe da SNAB, no arrastão de pesca lateral, Álvaro Martins Homem, pertencente à SNAB, construído em 1940, em Lisboa, nos estaleiros da CUF. Era imediato o Sr. Mário dos Santos Redondo, também de Ílhavo.

Em Massarelos, Porto, junto à ponte, alguns tripulantes do Álvaro Martins Homem
 
Já agora por curiosidade, o Álvaro Martins Homem e o João Corte Real foram navios gémeos e os dois primeiros arrastões construídos em Portugal.
O Álvaro Martins Homem só iniciou a sua actividade de pesca em 1943, porque o guincho de pesca não chegara a tempo. Dedicou-se, então, a viagens de comércio a carregar bacalhau.
Entre 1944 e 45, o nosso capitão João da Lúcia ocupou o lugar de imediato sob o comando do Cap. Manuel Pereira da Bela, no arrastão clássico, João Corte Real, pertencente à SNAB, gémeo do anterior, como já disse. Era piloto, em 1944, Emílio Carlos de Sousa e em 1945, Joaquim Carlos Caroço.

No João Corte Real, o capitão entre imediato (à direita) e piloto

Chega a campanha de 1946, em que foi imediato sob o comando de José Maria Vilarinho do lugre-motor Primeiro Navegante, construído na Gafanha da Nazaré, por Manuel Maria Bolais Mónica para a firma Ribaus & Vilarinho.
De uma certa faixa etária, quem não ouviu falar em tal espectacular naufrágio, à entrada da barra de Aveiro, a sul do Farol?
Curioso, há sempre um ponto a acrescentar a um conto, neste caso, pela boca de sua filha, de muito boa memória, nas suas 88 primaveras. O pai, João Fernandes Matias, tendo sido imediato na campanha do navio, na safra de 1946, assistiu ao naufrágio do «seu» navio, do paredão da Meia-Laranja. Afinal, como rezam as crónicas? Que se passou, então?
A 14 de Outubro, o Primeiro Navegante entrara em Leixões, para aliviar 3 000 quintais de peixe, tendo voltado a sair, para se fazer à nossa barra. Tinha o destino marcado. Não há que fugir. Entretanto, o Capitão José Maria Vilarinho tinha dito ao imediato, que viesse para Ílhavo, saudoso da família, que ele meteria o navio dentro. Não aconteceu bem assim.
No dia 24 do referido mês, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o Lousado, o Navegante II, o Ilhavense II, o Santa Mafalda, o Maria das Flores, o António Ribau e o Viriato. Vinha o Maria das Flores, a entrar, rebocado pelo «Marialva», quando o «Vouga» lançou o cabo ao Primeiro Navegante, iniciando o caminho já percorrido com os outros navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com violentas rajadas de vento, encheram todo o poço do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os esforços dos rebocadores. Perante o perigo iminente que ele corria, os seus esforços também foram em vão.
Embora com dois ferros no fundo e o motor a trabalhar com toda a força, segundos depois, o Primeiro Navegante, batido pelo mar e pelo vento, varava na praia em frente ao nosso Farol.
Terá sido indescritível o momento de aflição e angústia, acorrendo ao local toda a gente, em altos gritos. Só quando houve a certeza de que a tripulação estaria salva, é que o ambiente serenou um pouco.
Durante as marés baixas, foram-se salvando os haveres, apetrechos e a carga possível. Até parece – quem sabe, sabe – que o motor foi reaproveitado para o Adélia Maria (seria segredo?).
Durante uns tempos, como hoje, sempre que soa a tragédia, a gente das redondezas acorreu, em romaria, para ver, «claramente visto», o que o mar consegue fazer.
Desta vez, vão aparecendo alguns testemunhos fotográficos reveladores e aquele donairoso lugre de quatro mastros foi servindo de repasto ao mar, que o desmantelou, destruiu e destroçou, acabando por o devorar na totalidade.

O Primeiro Navegante, naufragado, em 1946

E foi assim que o Capitão João Matias assistiu ao naufrágio do navio de que era imediato, da Meia-Laranja.
A propósito destas mais do que verídicas histórias dos nossos homens do mar, contaram-me.
O Capitão José Vilarinho, quando naufragou na barra de Aveiro, disse ao irmão João: – Se fosses tu a ter este naufrágio, eu matava-te. Teria sido verdade?
E continuando a longa história de João Matias, entrecortada por este episódio dramático, de que fora personagem integrante, nas campanhas de 1947 e 48, ascendeu a capitão do lugre Navegante II, da mesma empresa.
Nos anos de 1949, 50 e 51, comandou o grande Milena, lugre de madeira com motor.

No Milena, entre a filha e a Judite
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Nas safras de 1952 e 53, comandou o n/m de ferro Conceição Vilarinho, tendo como imediato, Gil Ferreira da Silva Júnior.
 
A bordo do n/m Conceição Vilarinho. Início de cinquenta
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Na safra de 1954, embarcou de imediato no n/m de ferro Capitão José Vilarinho, sob o comando de Augusto dos Santos Labrincha.
E a roda gira e, desta vez, na safra de 1955, embarcou como imediato no arrastão clássico António Pascoal, sob o comando de Manuel Pereira da Bela.
Chega o ano de 1956, onde capitão, com José Simões Amaro (o Forneiro) como imediato, naufragou a bordo do lugre com motor, Novos Mares, construído em 1938 por Manuel Maria Bolais Mónica. O jornal O Ilhavense de 1.8.1956 regista que, a 21 de Julho, perto de Virgin Rocks, se deu uma explosão na casa das máquinas que arrasou a popa do navio, que se afundou pouco depois. A tripulação de 56 homens foi salva pelo Maria das Flores sob o comando de Manuel de Oliveira Vidal.
E o tempo de mar já pesava, mas, ainda de 1957 a 1964 (inclusive), comandou o n/m Lutador, que conhecia, ao longe, de ginjeira, pela particularidade de ter sido o único n/m de três mastros. Nada bonito.
 
N/m Lutador, de 1945

Segundo o jornal da nossa terra de 1 de Outubro de 1964, na segunda-feira da festa da Barra, afundou-se o Lutador, com incêndio a bordo, comandado por João Fernandes Matias, com Belarmino de Ascensão Oliveira como imediato.
Foram salvas 82 vidas preciosas – os dois oficiais a bordo do Avé Maria e os restantes espalhados pelos restantes navios.
E o estado físico do «nosso» capitão ia suportando com mais dificuldade a vida salgada; mas, apesar disso, como noto que ia sendo hábito entre alguns oficiais (ainda hoje), retomou o cargo de imediato no Sernache, n/m de ferro, na campanha de 1967 e no Luiza Ribau, lugre de madeira, com motor, na campanha de 1972.
E por aqui acabou o percurso de João Fernandes Matias, onde sofreu as agruras do mar, numa carreira muito diversificada. Numa altura em que a famosa Frota Branca já tinha os dias contados.
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Fotografias – Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão
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Ílhavo, 19 de Junho de 2016
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 13 de junho de 2016

Homens do Mar - Capitão Augusto dos Santos Labrincha - 10

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Éramos vizinhos, com uma casa de permeio e um beco – um dos becos de Ílhavo. Pelas traseiras, menina e muito moça, lá conseguia ir até casa da Zerinhas e por lá ficava uns bocados, pois ela também era amiga da minha prima Milú, que, às vezes, me levava ao laró.
Zerinhas, sim, isto é, Maria dos Prazeres Valente Labrincha, cujo pai era o Capitão Augusto dos Santos Labrincha (1899-1982) e a mãe, Maria Valente Labrincha.
Ao procurar a notícia da «partida» do capitão Augusto Labrincha, no jornal O Ilhavense, que sempre faço, fiquei a saber que, além de pessoa bondosa e afável, que já sabia, enquanto piloto do lugre bacalhoeiro Infante de Sagres, capitaneado pelo ilhavense Fernando M. Lau, em 23.5.de 1927, salvou em pleno Atlântico, o Marquês de Pineda e mais dois compatriotas.
Pelos seus doze anos, o que acontecia quase todos os ílhavos, com familiares no mar, teria ido de moço de câmara com algum parente. Era geracional, em Ílhavo. E lá terá ido cumprindo o seu percurso, até que, em 10.8.1926, se tornou 3º piloto.
Folheando pacientemente todos os artigos Eles lá vão para os Bancos da Terra Nova, Sobre as águas do mar… Deus os leve e Deus os traga!, Boa Viagem!, Aquelas Naus…. Relação dos Navios que, este ano, vão à peca do bacalhau, etc., do jornal O Ilhavense, com alguns hiatos, de início, consegui repescar que foi piloto dos lugres Silvina, em1922, do Algarve 5º, em 1926, do Infante de Sagres, em 1927 e 28 e em 1929, do lugre Rainha Santa, da Firma Pascoal & Cravo, capitaneado por seu parceiro António Marques.
Na viagem de 1936, tornou-se capitão do lugre Corça, pertencente à Parceria Geral de Pescarias, que foi vendido após essa campanha, tornando-se no lugre Granja.

O Corça, na Terra Nova. S/d

Capitão no Corça. 1936

Entre vida familiar com gostos e desgostos, como todos nós, a vida profissional lá foi andando, conhecendo o sabor salgado de vários navios.
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Nos anos de 1937 e 38, comandou os lugres Neptuno II, no de 1939, o Gamo e no de 40, o lugre Hortense. 

No Gazela, 1937 – Augusto Labrincha, João Campos Pereira, António dos Santos e imediato do Gazela, Júlio Paião
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E em 1941/42 e 43, surge-lhe o comando do famoso lugre-patacho Gazela Primeiro, o navio mais famoso da Parceria Geral de Pescarias.
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De 1944 a 49 (inclusive), volta ao comando do lugre Hortense, de malogrado destino.
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Entre 1950 e 53 (inclusive) esteve à frente do lugre com motor Adélia Maria, que foi lançado à água a 24 de Abril de 1948, nos estaleiros da Gafanha da Nazaré para os armadores Ribau & Vilarinhos. Durou vinte anos. Naufragou, por incêndio, no Virgin Rocks, em 1968. 

Adélia Maria, a arder, em 1968

Em 1953, durante a cerimónia da Bênção, foi condecorado juntamente com os capitães ilhavenses, João Grilo, António Marques e o irmão, João dos Santos Labrincha (Laruncho).
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Em 1954, estreou o navio-motor, em aço, Capitão José Vilarinho, construído nos Estaleiros Navais do Mondego para José Maria Vilarinho, com sede, em Aveiro.
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Lá pesquei, não foi fácil, uma imagem de Augusto Labrincha, de boné de lado, a bordo do Capitão José Vilarinho, em 1955, a apontar o bacalhau pescado, à chegada dos botes. Neste tempo, já seria numa pequena agenda ou ainda numa tabuinha de madeira, como de início?

A bordo do Capitão José Vilarinho, em 1955, a apontar o bacalhau pescado
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Depois de sete viagens a bordo deste navio, deixou o mar, para viver uma vida sossegada, descansada e calma, junto da família, encontrando-se com oficiais do seu tempo, para a chalaça, perto da Farmácia do Manuelzinho, no Café Central, central, porque o era, onde jogavam cartas ou dominó ou no jardim Henriqueta Maia, no centro da então vila, quando ainda era hábito passear-se ao domingo, em volta do jardim, quando ele ainda tinha flores, que, entretanto, murcharam.
Também era obrigatória a ida à barbearia do senhor Leopoldo. Bom ponto de encontro. Lá «pescava-se mais bacalhau» que no Grande Banco da Terra Nova e Groenlândia juntos.

Pelos anos 70, o descanso dos guerreiros: Capitães Adolfo, Augusto Labrincha e Salta
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Fotografias – Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão
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Ílhavo, 09 de Maio de 2016
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 6 de junho de 2016

VIII Encontro de Embarcações Tradicionais em Esposende

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Cheguei há pouco de Esposende. Cansada, mas de alma cheia. Dois dias diferentes, a registar. O meu grande agradecimento à Amiga Ivone Magalhães, Directora do Museu Municipal e à Conceição, pela simpatia e acolhimento com que me receberam. Dia de festa em Esposende… Dia do rio e mar e de sua comunidade piscatória.
Ontem, para além de uma actividade interessante, no Museu Marítimo, passei a tarde na rampa junto à lota, à beira-rio, a tentar identificar as embarcações tradicionais que participaram no VIII Encontro de Embarcações Tradicionais em Esposende e a saborear-lhes a beleza das suas manobras.
Algumas embarcações já me eram bem familiares, como a catraia de Esposende, réplica navegante construída em 1993, a Sta. Maria dos Anjos, algumas «dornas galegas» e a lancha de fragata ou o catraio tejano, bem bonito e centenário, trasladado por gosto do proprietário, do Tejo para a laguna de Aveiro, de seu nome Costa Nova.
Catraia Sta. Maria dos Anjos

O catraio tejano Costa Nova
As tais memórias tradicionais marítimas de Esposende, que são relevadas pelo carinho e genica de alguns, iam-se sucedendo e preparando, ao mesmo tempo. Ao fim da tarde, algumas pescadeiras enfeitavam devotamente os andores que participariam na procissão fluvial de hoje e no lançamento de uma coroa de flores, ao mar, após a difícil saída da barra, em memória dos homens do mar falecidos em acidentes marítimos.
Na lota, algumas das divindades incorporadas
Algumas «estórias», tradições, memórias, lendas foram recordadas, enquanto transpúnhamos a fé e o carinho com que enfeitavam os andores, com as respectivas divindades. Pescador e fé caminham de braço dado – Nossa Senhora da Barca do Largo, Nossa Senhora da Graça, S. Pedro, a Senhora da Bonança (freguesia de Fão), a Senhora da Guia, a Senhora de Fátima, e o, para mim, conhecido, mas nunca visto, S. Bartolomeu do Mar.
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O dia de hoje, com a dita procissão fluvial, num clima ameno, calmo e morno convidava ao passeio. Sem contar, mas sem hesitar, aceitei o convite de última hora para embarcar. Todo o desfile foi magnífico, neste caso, em catraias modernizadas, ditas «voadoras», a motor. Embandeiradas em arco com bandeirolas multicolores, desfraldavam à pouca aragem a beleza e o significado da bandeira nacional. Cenário alegre, garrido, penetrante e envolvente. A procissão teve dois momentos altos: um, o do encontro, em que as embarcações se dirigem mais para montante, para receber a Senhora da Bonança (da freguesia de Fão), que vem incorporar-se no cortejo.
A incorporação da Senhora da Bonança
O outro, em navegação a jusante, em direcção à barra, o lançamento à água da simbólica coroa de flores, em homenagem aos pescadores mortos em acidentes marítimos. Um misto de respeito e temor pela ondulação do próprio mar e do entrecruzar da agitação dos motores das embarcações, era o que sentíamos a bordo.
No mar, a coroa de flores
Chamou-me a atenção um barco com quatro fotografias de rostos – explicou-me a Ivone que era um barco de memória fúnebre, o Flecha, ao recordar os quatro últimos homens do mar, que faleceram de uma mesma família – a família Nibre.
Barco de memória fúnebre
De regresso à lota, donde saímos, parece que soube a pouco. Belo, empolgante e salutar!
De regresso do rio
Duas bonitas proas de embarcações com diferentes origens, saudosas da participação, já se sentem isoladas.
Uma portuguesa e uma galega

Fotografias da autora do Blogue
Ílhavo, 5 de Junho de 2016
Ana Maria Lopes

quarta-feira, 1 de junho de 2016

A Exposição St.John's, Porto de Abrigo - A Frota Branca, no MMI

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A Sala de exposições temporárias, no MMI, exibe uma exposição fotográfica sedutora e fora do vulgar, até 23 de Outubro.
Há exposições e exposições, mas esta compensa, brilha e «enche o olho».
O autor, Paul Anna Soik (1919-1999), marido de uma canadiana, para além de fotógrafo, ilustrava. Mas, um belo dia «tropeçou» na Frota Branca, uma frota branca já algo decadente, nos anos sessenta, mas que sempre deslumbra – alguns veleiros e navios bacalhoeiros e pescadores portugueses, que fizeram parte da paisagem e do quotidiano de St. John’s (Terra Nova, Canadá).
Foi este legado fotográfico que veio parar às mãos da associação cultural Bind’ó Peixe, que nos últimos anos se tem dedicado a valorizar a cultura e identidade piscatória da comunidade de Caxinas e Vila do Conde.
Estas fotografias de Paul A. Soik só podem ser vistas hoje no Museu Marítimo de Ílhavo, porque o canadiano Jean-Pierre Andrieux, memorialista, empresário, estudioso da presença portuguesa na Terra Nova e amigo fiel de muitas gentes de Ílhavo, há umas boas dezenas de anos, «não é de guardar os seus tesouros num cofre». Um dia, herdou-as e o seu desejo foi partilhá-las.
O grande segredo da exposição reside na recolha das belas cenas que povoam o nosso imaginário, mesmo sem termos estado em St. John’ s, no tempo da Frota Branca lá residente.
Fortes pormenores de marinheiros e derradeiros veleiros, tais como o Creoula, o Argus, o José Alberto, o Gazela, o D. Denis, são aqueles de que me lembro. Pescadores, com traje domingueiro, com camisolas axadrezadas, quer a bordo, quer em jogos de futebol, habituais no cais canadiano, dão vida aos últimos navios-motor construídos nos Estaleiros Mónica, nos anos 50 – o Vila do Conde, o Avé Maria, o São Jorge, o Novos Mares e outros da mesma época.
O autor foca pormenores realistas e não descuida as pilhas de frágeis botes, sobranceiras, que nos ajudam a identificar o navio em que habitam.
Para além de nos sentirmos «em casa» em tal exposição, ela tem de relevante o suporte que as sustenta. São diapositivos de grande dimensão, montados individualmente em caixas de luz, que nos prendem – a luz que delas emana e uma maneira pouco usual de apresentar um trabalho final.
O fotógrafo ficou deslumbrado com o que viu e conseguiu transmitir-nos esse deslumbramento.
E mais não digo. Visitem-na que vale a pena. Mas se tiverem a sorte de terem um guia como eu tive, o Capitão António Marques da Silva, a informação redobra. Ainda por aí há alguns, poucos, velhos lobos-do-mar, à altura.
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Todas as fotos que aqui possa editar não conseguem reflectir o encanto que aquelas nos transmitem.
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À laia de convite ou melhor, de «isco», aqui ficam estas:

Os botes cor sangue de boi, sobranceiros, do Argus

A tripulação do Novos Mares

As pilhas de botes do São Jorge

Jogo de futebol no cais

A tripulação do Avé Maria
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Fotografias de Sérgio B. Gomes, publicadas no Jornal Público, de 29 de Maio de 2016
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Ílhavo, primeiro de Junho de 2016
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Ana Maria Lopes
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