domingo, 24 de julho de 2016

«Nómadas do Oceano» de Valdemar Aveiro

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Nómadas do Oceano – O último livro do Sr. Capitão Valdemar Aveiro dado ao prelo pela Âncora Editora, depois da sua apresentação no Museu Marítimo de Ílhavo, li-o de um trago, bebi-o sofregamente.
Parabéns, caro Capitão Valdemar! Estive mesmo para lhe telefonar a felicitá-lo depois da leitura do seu livro. Mas, achei que era um abuso e não o fiz.
Apreciei-o extremamente, talvez porque os assuntos que nele trata, me estão mais próximos – o papel dos armadores, sobretudo dos mais empreendedores, a citação de navios que me foram familiares – Hortense, Neptuno, Gazela Primeiro, o Santa Izabel, o Santa Joana, alguns arrastões de popa –, pessoas que bem conheci e a própria criação em 1934 da Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau (CRCB) e, em 1935, do Grémio dos Armadores de Navios de Pesca de Bacalhau, (GANPB).
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Mas a maneira fluida e desassombrada com que «discursa» sobre tudo, deixou-me estupefacta, numa prosa líquida, espontânea e vivida.
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A tal questão do «tempo novo» tratada sem tabus, a questão dos armadores, pelo menos dos mais empreendedores, prenderam-me. Mas a localização dos navios no cais de St. John’s, aquando de ciclone anunciado, dadas as vantagens e desvantagens da tal localização e a ida ao «fashion store» foram registos que li de um trago.
A questão da compra das maquillages, do rimel, do blush, do pó de arroz, do baton, ah, ah, e a prova dos soutiens fizeram-me rir, sozinha, quando dei por mim. E pensei – olha, olha, o que o Sr. Capitão Valdemar sabe!...
Aqueles encontros, as travessias de barco, os códigos entre rapaziada, oficialidade e as «mulheres de ocasião», ou derriços de anos anteriores saem-lhe com uma fluidez estonteante. Muito mais haveria que dizer, mas fico-me por aqui... Só não sei onde é que o Sr. Capitão aprendeu tanta mitologia grega!... Parabéns, caro Capitão!
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Costa Nova, 23 de Julho de 2016
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Ana Maria Lopes
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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Homens do Mar - António Augusto Marques - 13

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Na amurada do arrastão João Álvares Fagundes

Tendo bom relacionamento com o Sr. Capitão Manuel Machado, andava, de dia em dia, para lhe parar à porta de casa da Costa Nova, para ver como «andávamos de espólio de bacalhau».
Muito francamente, associava sempre o nome do Sr. Capitão Manuel Machado ao comando do navio-motor Avé-Maria, durante muitos anos. Tinha a certeza.
Numa tarde soalheira da semana passada, decidi e parei mesmo. Recebeu-me com a amabilidade que lhe é habitual, e com belíssima vista para a ria, lá fomos conversando. Com quem teve mesmo a experiência de pesca, aprende-se sempre muito. Enquanto esperava por ele, ia-me deliciando com a decoração da sala e vendo se em molduras de mesa ou de parede haveria alguma imagem que me interessasse para o efeito.
Algo se havia de conseguir, com calma, já que o seu álbum pessoal já não estava em sua posse.
Mas, ao dar de caras com uma fotografia do lugre Milena e, com espanto, perguntei:
 – Tem aqui uma foto do Milena e, pelo que sei, o Sr. Capitão não andou no Milena.
 – Ah, do Milena, navio americano «Burkeland» construído na Florida em 1918, depois de ter sido adquirido em Génova pela Indústria de Pesca, Lda., foi o meu pai o seu primeiro capitão, na campanha de 1936. O assunto não me era estranho, mas não o conhecia assim com tanto pormenor. Despertou-me interesse e o entusiasmo apoderou-se de mim.
Mas, e fotografias «novas» – pensei de mim para mim – do seu capitão??????? Começo sempre por aí.
De início, não foi fácil, mas as perspectivas alargaram-se, tomei vários rumos e vir-me-iam ter às mãos, fotos que me seduziram e que abriram novas perspectivas.
Segundo companheiros do mesmo ofício, oficiais, o Milena era um lugre com motor, de madeira, com quatro mastros, não um mimo de lugre, mas pesadão, de borda alta, muito trabalhoso para a pesca e difícil de carregar. Mas, apesar disso, criou muitos afectos.

Naufragou por água aberta no Virgin Rocks na campanha de 1958. Dizia anos mais tarde, com a sua piada fina, o Capitão Joaquim Manuel Pereira da Bela, que durante alguns anos comandou o navio: – Só consegui um carregamento completo – 11.394 quintais –, quando ele se encheu de água e foi ao fundo.
António Augusto Marques, de alcunha Marcela, natural de Ílhavo, (1899-1977), viveu, aqui, na Rua João de Deus, lá para os lados do Oitão.
Casado com a Senhora D. Ofélia Marques Machado, teve três filhos, naturalmente, mais velhos do que eu, mas com quem mantenho um afável relacionamento.
Ora, deixemos os entretantos e passemos aos dados biográficos marítimos, que conseguimos «pescar». A sua sedução pelo mar, a admiração pelos veleiros, suponho que terá sido uma tendência natural dos «meninos» do seu tempo, que embarcavam com algum parente ou familiar mais chegado, tendo-se tornado, posteriormente, numa necessidade de trabalho e numa fonte rendimento.
Portador da cédula marítima nº 10489, passada em 1913 pela capitania de Aveiro, na década de 20, já me surgiu como piloto, sob o comando do Sr. José Bola, em 1929, do lugre Amisade, que foi construído na Murraceira por António Maria Mónica, em 1921, para Sociedade de Pesca Amizade, Lda., Figueira da Foz.
Com uma tripulação de 31 tripulantes, não tinha motor auxiliar.
Vendido à Empresa de Navegação Amizade, Lda., de Faro, em 1940, alterou o registo para Faro e mudou o nome para Amizade Primeiro.

O lugre Amizade Primeiro, sem mastaréus, em Leixões
Imagem Fotomar

A informação da década de 30 já é mais abundante, admitindo que na pesca do bacalhau se vivia uma época de crise. Comandou em 1934 os lugres Júlia I e em 1935, o Leopoldina, ambos com instalações de secagem na Figueira da Foz. As fotos com pessoas a bordo dos navios exacerbam-lhes a alma que eles já têm. Possivelmente, no Júlia I, em Lisboa, o capitão Marcela, entre dois primos e amigos, o Eng. Aníbal Ventura da Cruz e Dr. Vítor Gomes, ainda estudante.

A bordo do Júlia I, em Lisboa…-

Na foto seguinte, para além dos dois citados anteriormente, à esquerda, à direita, vê-se Carlos Fernandes Parracho, pai do Sr. Capitão Aníbal Parracho.

A bordo do Júlia I, em Lisboa…
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Em 1936, chega a altura do comando do Milena. Capitão Marcela, imediato, Manuel Pereira Ramalheira e piloto, Mário dos Santos Redondo, mantiveram os mesmos postos entre 1936 e 1938 (inclusive). Foto seguinte.

Imediato, capitão e piloto, a navegarem, no Milena, em 1936

Na campanha de 1940, o nosso capitão comandou o lugre com motor Ilhavense II, tendo como imediato Manuel Pereira Teles.
Nas campanhas de 1940 e 41, o Milena não participou na pesca do bacalhau, tendo sido fretado para viagens de comércio para Itália, ao serviço da Cruz Vermelha Suíça.
Retoma a campanha de 1942 até 45 (inclusive) com o capitão Marcela no comando, tendo como imediato João Maria da Madalena (42 e 43) e João dos Santos Marnoto, em 1944.
Em alturas da Bênção, os ílhavos iam para Lisboa e a bordo dos navios, no Tejo, se alojavam, se possível.
Na imagem seguinte, um grupo de ilhavenses, possivelmente, na campanha de 1942, a bordo do Milena, a saber – capitão Marcela, imediato João Maria da Madalena e sua esposa, Maria do Gil, Senhora D. Raminhos e Capitão Cristiano, entre os quais, a senhora D. Ofélia, esposa do capitão Marcela. E a criança, quem diria? O João António Machado Marques, filho do capitão, com seis aninhos apenas. Que saborosas memórias…

A bordo do Milena, em Lisboa, na bênção de 1942
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Durante as campanhas de 1946 e 47, comandou o lugre com motor Trombetas, construído em Fão para a Lusitânia Companhia de Pesca, Lda. Este é um segundo Trombetas que houve, que, depois da viagem de 1948, acabou por ser desmantelado no Seixal.

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E assim passou da dura, famosa, mítica, mas anacrónica pesca à linha, para o arrasto lateral. Começou por ser imediato nas campanhas de 48 e 49 do arrastão clássico, de aço, João Álvares Fagundes, construído na CUF, em Lisboa, em 1945, para a Sociedade Nacional de Armadores de Bacalhau (SNAB), de Lisboa, sob o comando de João Simões Ré.
Nas campanhas de 1950 e 1951, passou a capitão do referido arrastão.
Na campanha de 1952, comandou o arrastão lateral São Gonçalinho, construído no Estaleiro Naval de Viana do Castelo, em 1948, para a Empresa de Pesca de Aveiro.
Nos anos de 1954, 55 e 56, exerceu o cargo de imediato do arrastão também lateral Comandante Tenreiro, construído nos Estaleiros Navais do Mondego em 1949, para a Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca da Figueira da Foz, sob o comando do Sr. José Augusto Paradela Senos.
Na campanha de 1957, mudou para o arrastão clássico Pádua, sob o comando do Sr. João Morais de Almeida, de Vila do Conde, construído em Aberdeen, Inglaterra, em 1947, para a Empresa Comercial e Industrial de Pesca de Lisboa.
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Durante mais uns anos, poucos, foi imediato do Dione, navio de cabotagem construído nos malogrados Estaleiros de S. Jacinto em 1951, sob o comando de João Maria da Madalena, que já havia sido seu imediato, nas campanhas de 1942 e 43, no Milena.
… E mais uma vida vivida praticamente no mar, longe dos familiares e amigos, tendo ajudado a engrandecer o passado recente da então vila maruja de Ílhavo.
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Fotografias - Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão

Ílhavo, 29 de Junho de 2016
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Homens do Mar - Júlio Pereira da Bela - 12

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Piloto do Rio Lima, entre 40 e 42
Através do conhecimento de seu neto, Capitão Júlio Bela, chegaram-me às mãos algumas fotografias e informações que me despertaram a curiosidade de complementar o currículo biográfico marítimo de seu avô, por via materna.
O Capitão Júlio Pereira da Bela, de alcunha o Salsa, ilhavense de gema, nascido a 17.12.1899, aqui faleceu com 66 anos, em Agosto de 1966.
Francamente não o conheci ou não me recordo dele, mas o interesse despoletou, como já referi, por outra via...
Portador da cédula marítima nº 14349, passada em 1916 pela capitania de Aveiro, começou pelo comando de navios de longo curso, tem enveredado, seguidamente, pela pesca bacalhoeira.
A partir do momento em que consegui informações credíveis, «pesquei» que teria embarcado como piloto no lugre Santa Luzia, pertença da Empresa de Pesca de Viana, a partir de 1929, durante essa mesma campanha, sob o comando do ilhavense Cap. João Cajeira.

Lugre Santa Luzia

Por hiatos do jornal da nossa terra e porque as fichas do Grémio (GANPB), apenas registam informação a partir de 1936, foi piloto nessa campanha, do lugre Infante de Sagres III, sob o comando do Capitão José Vaz.
Pilotou também, na viagem de 1937 o lugre Labrador, ex-navio dinamarquês Lydia, construído em 1919, sob o comando de António Simões Picado, onde haveria de voltar em muitíssimas mais campanhas.
E a sua vida de piloto continuou entre 1940 e 1942, no Rio Lima, lugre de madeira da praça de Viana do Castelo, aí construído em 1920, por J. Pereira Maiato. Foi seu capitão José Bolais Mónica.
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A bordo (à esquerda), com um amigo. Sd.
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Intercalou o cargo de piloto a que venho referindo pelo de capitão, na viagem de 1938, no lugre de madeira Bretanha, levando como piloto José Fernandes Pata (o Gil). Tal viagem não se chegou a realizar, pois o Bretanha, a 3 de Junho de 1938 naufragou com água aberta, no Mar dos Açores, quando em viagem para a Terra Nova. Segundo o jornal O Ilhavense de 4 de Junho, mais um navio que se perde, pois apanhou um grande temporal que lhe abriu água. Os marinheiros ainda tentaram conduzir o lugre até ao Faial, mas, baldado o seu esforço, o barco soçobrou, sendo a tripulação salva por um vapor que a entregou ao conta-torpedeiro Dão.
As viagens de 1943 e 44, fê-las de capitão no lugre Labrador, onde retornaria por uma longa estadia.
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Lugre Labrador. Anos 40
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Intervalou a vida da pesca à linha com uma viagem de piloto no arrasto, ao estrear o arrastão da SNAB, construído nos estaleiros da CUF, em 1945, João Álvares Fagundes, comandado por João Nunes de Oliveira Sousa e com João Simões Ré como imediato.
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Em 1945, construídos a par na Gafanha da Nazaré por Manuel Maria Bolais Mónica, os navios-motor Elisabeth e António Coutinho, eis que o Júlio Pereira da Bela faz as campanhas de 1946 e de 47, como imediato, sob o comando do capitão António Simões Picado, no António Coutinho.

1945. A par, o Elisabeth e António Coutinho

Depois de assumir o comando do lugre de madeira San Jacinto, em 1948 (o Ex-Encarnação, construído em 1919, em Pardilhó, por Joaquim Dias Ministro, nesta altura, propriedade da Empresa de Pesca São Jacinto, Lda.), passou para o comando do lugre Labrador, desta vez, definitivamente, de 1949 até 1958, inclusive, ano do seu naufrágio.
Supostamente neste navio, deliciem-se com esta fotografia, com o material diverso de bordo todo peado e catrafiado, em que o Capitão Salsa, de gorro de lã, na sua indumentária apropriada, calçando ainda botas de cano, de couro e sola de madeira, de espingarda em punho, acabara de caçar um ror de pombaletes, que também serviam de isco para a pesca do bacalhau. 

Boa fotografia, supostamente a bordo do Labrador
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O «nosso» jornal de 1 de Setembro de 1958 noticia: Na Terra Nova, naufragou o lugre Labrador (25.8.1958), com água aberta. Já é o segundo navio que naufraga naquelas paragens. Oficiais e restante tripulação de 39 homens estão a salvo, a bordo de outros navios. Só que, neste ano de 1958, naufragaram cinco navios.
A campanha de 1959, fê-la, de capitão, no navio-motor António Coutinho, onde já fora imediato.
No final desta viagem, teve o azar de partir um pé, pelo que foi eliminado temporariamente por doença e readmitido em Junho de 1960.
Nas campanhas de 1961, 62, 63, 64 e 65, voltou ao mar como imediato, respectivamente dos navios-motor Avé Maria, Soto-Maior, Elisabeth, do lugre Hortense e do navio-motor Vila do Conde.
E assim se passou, duramente, mais uma vida de um dos nossos ílhavos, vivida no mar.
Isto é que eram Homens!,  que bem merecem ser lembrados. Trabalhou até 1965 e faleceu em 1966. Nem a merecida reforma chegou a gozar…
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Fotografias – Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão
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Ílhavo, 21 de Junho de 2016
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Ana Maria Lopes
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