sábado, 4 de novembro de 2017

Homens do Mar - José Luiz Nunes de Oliveira - 37

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José Luís de Oliveira. No Argus, 1950.
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Quem espera sempre alcança. Foi preciso um ror de anos (vinte e cinco), para que o quarto álbum registado e oferecido por Alan Villiers ao Museu, ao Capitão Adolfo, ao então imediato João Matias, e ao piloto José Luiz, da célebre Campanha do Argus, em 1950, me tivesse chegado às mãos.
Por interposta pessoa amiga, que conhecia a viúva, foram-lhe pedidas fotografias para este fim. Além de outras, que nos foram cedidas para digitalizar, eis que, passados uns tempos, o tal álbum nos chegou às mãos – que contentamento! Virei-o e revirei-o, mirei-o e remirei-o, digitalizando o que me apetecesse. Trata de pedir auxílio a amigos e entendidos, da época, para a identificação de outros figurantes.
Filho do Capitão Francisco de Oliveira (n. em 12.1.1888), teve três irmãos – Manuel, Francisco e João, todos com ocupações marítimas e uma irmã, Maria. Neste contexto familiar, o seu destino profissional só podia ser mesmo o mar.
José Luiz Nunes de Oliveira, de alcunha (Codim), nasceu em Ílhavo, a 17 de Novembro de 1923, na Rua de Cimo do Vila, nº 97.
Depois do casamento com Maria das Neves Simões Magano, de quem teve três filhos – Francisco José, Maria do Rosário e Alcides Luís – construiu casa na Rua do Casal, que passou a habitar.
Completou o Curso de Pilotagem em 1944/45, sendo portador da cédula marítima nº 112.210, passada pela Capitania do Porto de Aveiro, em 2 de Setembro de 1946.
Propriamente antes de enveredar pela pesca do bacalhau, o que era mais usual em Ílhavo, entre 1946 e 49, foi oficial do paquete Lourenço Marques da Companhia Nacional de Navegação, no qual viajou para as ex-colónias, incluindo Índia e Timor.
O apelo do bacalhau foi mais forte e na safra de 1949, o Cap. Zé Negócio desencantou-o para ser seu imediato no lugre com motor, de madeira, Ana Primeiro. E assim foi. O Ana Primeiro, ex-Erika, construído na Suécia em 1918, foi adquirido pela Sociedade de Pesca Luso-Brasileira, Lda., com sede na Figueira da Foz, iniciando a actividade de pesca em 1935. O Ana Maria, embora também velhinho, era um lugre de uma elegância cativante, enquanto o Ana Primeiro não passava de se assemelhar a um desajeitado tamanco.
Lugre Ana Primeiro
Daí, deu o salto, de saco de lona às costas, para a Parceria Geral de Pescarias, empresa conceituada, onde trabalhou com muitos outros ilhavenses que por lá passaram.
Logo em 1950, exerceu o cargo de piloto do afamado lugre Argus, durante a tal viagem que serviu de base ao livro A Campanha do Argus de Alan Villiers, sendo imediato João Fernandes Matias e, no comando, o Capitão Adolfo Paião. Campanha famosa e que deu, além de muito mais, para bater belíssimas chapas, que nos dão imenso jeito, agora.
João Matias, José Luiz Codim e Manuel Laracha (motorista)
Divertiam-se, no carro do bacalhau, no convés do Argus

No ano de 1951, a oficialidade não se alterou. De 1952 a 55, José Luiz Nunes de Oliveira passou a imediato, tendo sido piloto, Manuel Paulo Pinto Nunes Guerra. Nos anos de 1953, 54 e 55, foi piloto, Francisco Teles Paião, sobrinho do Capitão.
Mantendo-se na Parceria Geral de Pescarias (PGP), surgiu a altura de mudar de navio, ocupando o cargo de capitão no lugre Hortense, entre 1956 e 64. Dos imediatos, apenas dois foram de Ílhavo – Benjamim dos Santos Marcela, de alcunha Benjamim Pardal, entre 59 e 60, e Júlio Pereira da Bela, Salsa, em 1964.
O lugre com motor, de madeira, Hortense fora construído para a PGP, por Manuel Maria Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1930. Tendo feito a última campanha em 1964, foi oferecido pela empresa armadora à Organização Corporativa das Pescas, em 1968, para nele se instalar o Museu de Pesca Vasco Bensaúde, tendo acabado por ter ardido no Mar da Palha, em Dezembro de 1970. Sorte malvada!...
Hortense, Argus, e Gazela Primeiro, durante o Inverno
Chegou a altura de o nosso capitão passar a comandar o célebre Gazela Primeiro, nas campanhas de 1965 a 68 (inclusive). O Gazela Primeiro foi, talvez, o navio mais emblemático da Parceria, que ainda hoje navega sob pavilhão dos Estados Unidos da América, agora sob a tutela de um grupo de Amigos que muito o estima. Dos imediatos, à época, foi impossível encontrar dados para a sua identificação.
E toca de voltar ao «seu» Argus, desta vez, nas safras de 1969 e de 70, sem que os imediatos fossem de Ílhavo. Quando algo de diferente acontece a bordo, bate-se uma chapa para a posteridade. Foi o que aconteceu em 1969, quando pescaram, o que não é vulgar, um razoável peixe-lua. 
Com o peixe-lua, no Argus, em 1969
O número de navios na Parceria ia diminuindo e a anacrónica pesca à linha, que tem sido mote de muita e mítica conversa, dava indícios do seu «requiem».
O Capitão José Luiz fazia as últimas viagens para a empresa, que mais de duas dezenas de anos servira. – desta vez, nas campanhas de 1971 e 72 – como imediato do navio-motor Neptuno, sob o comando de João Fernandes Matias, o João do Creoula, como era conhecido entre os companheiros, pelo facto de ter havido em Ílhavo, mais capitães com o mesmo nome.
Este navio, já, mais moderno, fora construído nos malogrados e desaparecidos Estaleiros de S. Jacinto, à data de 1958, para a empresa em questão.
Marques da Silva, outro famoso oficial da Parceria, em conversa, recordou com saudade, o convívio que tinham tido, desde 1954, como imediatos e mais tarde, como capitães do Creoula e do Argus, navios famosos da mesma empresa. Foram vinte anos de amizade e são companheirismo!
Em 1973, mudou de rumo o capitão José Luiz e enveredou pela marinha de comércio, ao serviço da empresa Econave, como imediato do Eco-Vouga. Depois de passar pelo graneleiro Rio Zaire, assentou praça em 1974, na Soponata, onde se manteve até à aposentação, em 1980.
Tendo falecido em Janeiro de 2007, com 83 anos, ainda teve uns bons aninhos para saborear uma merecida reforma. Nesse tempo, pessoa muito pacata, muito caseira e muito habilidosa, dedicou-se com carinho, afinco e entusiasmo à agricultura. Amante da passarada, a que dedicava muito do seu tempo livre, tinha uma especial preferência por canários e pintassilgos. E assim se passou a vida deste prezado ilhavense, homem do mar.
Fotos – Gentilmente cedidas pela família
Ílhavo, 4 de Novembro de 2017
Ana Maria Lopes
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