domingo, 28 de janeiro de 2018

Homens do Mar - Carlos Fernandes Parracho - 41

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Cap. Carlos Fernandes Parracho

Ainda conheci razoavelmente o Cap. Carlos Parracho, tive tempo para isso, mas lembro-me, sobretudo, da família, na casa da Costa Nova. Ficava, exactamente, nas traseiras da minha, com entrada para a Avenida da Bela Vista, com partilha de uma entrada de viela comum.
Filho de António Fernando Parracho e de Rita de Jesus, nasceu em Ílhavo, na Freguesia de S. Salvador, a 11 de Dezembro de 1904. Praticamente, na viragem do século… A família Parracho, conhecida por cá e por outras localidades ribeirinhas, teve fortes ligações ao mar. O Cap. Parracho, de alcunha, o Marcela, era irmão mais velho do Cap. João Fernandes Parracho, conhecido por Vitorino, também ele homem da Faina Maior, que velejou, igualmente, pelos navios da Figueira da Foz, antes de os trocar pelos da praça de Aveiro, a quem já dediquei umas páginas no livro «Tributo a Capitães de Ílhavo».
Assim aconteceu com este irmão. Do casamento com Silvina da Rocha Bilelo, conhecida por Silvina Carrancho, em 1924, nasceram três rapazes e duas raparigas. Os três rapazes, Aníbal Rocha, António Manuel e Carlos Alberto foram também oficiais da Marinha Mercante. Aliás, foi o mais velho, o Cap. Aníbal Parracho, último capitão do Gazela Primeiro, na safra de 1969, já de provecta idade, que se deslocou ao Museu acompanhado do filho Carlos Júlio, também ele capitão da Marinha Mercante, para conversar comigo, fornecer-me elementos e recordar episódios marítimos referentes ao Pai. Não eram muitos, mas…os possíveis.
Segundo a convicção do filho, o Cap. Carlos Parracho, sempre andou no bacalhau, onde se iniciou com doze anos, seguindo o percurso dos «meninos» do seu tempo. Mar e mar…
Desde que existem informações credíveis, o seu nome aparece como piloto do lugre-motor Trombetas, nas campanhas de 1936 a 1939, sob a orientação do capitão figueirense Elias Andrade Bilhau. Este lugre, de madeira, tinha sido construído para Lusitânia Companhia de Pesca, Lda., em Fão, em 1922. No ano de 1938, sofrera um terrível acidente de que o jornal O Ilhavense de 28 de Maio do mesmo ano, nos dá conta:
 Na manhã do dia 10 deste mês, a 42 º-29’ de latitude Norte e 41 º-10’ de longitude Oeste, pelas 7 horas e meia da manhã, o Trombetas foi apanhado por um violentíssimo tufão, que lhe varreu ao mar nove homens, dos quais dois se conseguiram salvar muito a custo. O vagalhão que lhe invadiu o convés, arrastou-lhe 35 «dóris», partiu-lhe o leme, o albói da ré e 2 faróis de borda, levou-lhe a agulha, avariou-lhe a instalação eléctrica e o motor, que só passou a trabalhar para vante.
O navio conseguiu chegar a Ponta Delgada no dia 16, onde ia reparar as avarias para, de novo, se fazer ao mar, rumo à Groenlândia, em busca do pão daqueles que vão para a pesca do bacalhau.
Embora do mesmo armador, Lusitânia Companhia de Pesca, Lda., Carlos Parracho estreou-se como capitão em 1940, do lugre de madeira Leopoldina, construído em Caminha, por A. Dias dos Santos Borda, em 1899. Em 1906, tornou-se propriedade da Lusitânia. Aí perfez três anos de mar – de 1940 a 1943. Neste período, teve como imediato, em 1940, o ílhavo Júlio António Lebre.

O lugre Leopoldina

Continuando pela Figueira da Foz, o Capitão Marcela, como era mais conhecido, e ao serviço da Lusitânia, mais uma vez, chegou a altura de mudar o estrafego (aprestos) para o convés do Luzitânia III. Este lugre de madeira construído por José da Silva Lapa, em Vila Nova de Gaia, em 1918, cessou a sua actividade em 1945, exactamente na terceira safra em que o nosso capitão por lá se manteve – de 1942 a 1945. Foi um dos primeiros navios a instalar motor propulsor, para a campanha de 1932. Teve como imediatos, António Mesquita Ribeiro, da Figueira da Foz (1943 e 44) e o ilhavense António de Morais Pascoal, em 1945, em início de carreira.
Naquela altura, demandar o porto da Figueira era uma aventura… então, o Luzitânia, no regresso da viagem de 1945, ao fazer-se à barra, a reboque do vapor Setúbal, encalhou. Conseguindo safar-se, voltou a encalhar, num banco de areia, em frente ao Mercado Municipal. O próprio rebocador Setúbal também «sonhou o fundo» e bateu com a quilha na areia, avariando o leme e o hélice. O Luzitânia teve que ser aliviado, abrindo-se-lhe também um canal, fazendo escavações dia e noite, durante os períodos do baixa-mar.
Mesmo à boca da barra e na ansiedade do retorno ao seio da família, estes achaques esperavam os nossos homens do mar. Quem diria!...
Chegou o ano de 1946 e até 49, Carlos Parracho comandou o navio Bissaya Barreto. Este, construído também para a Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca, Lda., por Benjamim Mónica, na Figueira da Foz, em 1943, foi o primeiro navio-motor de pesca à linha construído de madeira. A ele voltaremos.
 
Navio-motor Bissaya Barreto, na Figueira da Foz…

Durante estas quatro safras, sem muito de especial a referir, realçando sempre a dureza da vida do mar em tais condições, teve como imediatos, os ilhavenses João André Alão, de alcunha, o Rigueira (1946 e 47), Paulo de Oliveira Bagão (1948) e Amândio Fernandes Matias, de alcunha, o Parracá (1949).
Chegado a metade do século, na safra de 1950, o «nosso capitão» comandou o navio-motor, de madeira, Cova da Iria. Ex-Vilas Boas, foi construído para a Parceria Marítima do Douro, por José Mónica, nos estaleiros da Afurada, em 1944. Adquirido pelo armador João Maria Vilarinho, participou na campanha de 1949. Este ano de 50 trouxe muito que contar a Carlos Parracho, que naufragara, com água aberta, no dito Cova da Iria, em viagem da Groenlândia para Portugal, por se lhe ter partido o leme sob violento temporal.
Em imprensa da época, colhi alguns destes dados. Na viagem da Groenlândia para Portugal, em inícios de Setembro, a tripulação vinha toda satisfeita, com uma boa pescaria de 14.000 quintais. Não contava com um valente temporal que, a setecentas milhas dos Açores, tivera que enfrentar. Logo de início, partiu o leme, que, por ordens do capitão, foi substituído por uma esparrela (leme improvisado). Também não durou muito e, violentamente, foi espatifado. Capitão, imediato, Francisco António Bichão, de alcunha, o Saltão, e o contramestre, então ferido, iam morrendo. Com o ímpeto do temporal, o navio, desgovernado, atravessou-se e ficou à mercê do vento e do mar. Assim que o capitão deu ordem aos tripulantes para arriarem os botes e neles se fazerem transportar para o Inácio Cunha, aqueles 78 homens trataram de abandonar o Cova da Iria, manobra delicada e de muito risco, devido ao estado do mar, e que teve de ser feita com toda a prudência. À medida que os dóris se iam afastando, o capitão, agarrado à amurada, ia contando os seus homens, não fosse algum ficar por lá, atordoado. Depois, ordenou aos principais da equipagem e, conforme o regulamento internacional, que acelerassem o afundamento do navio, incendiando-o.
O mar, dominando o Cova da Iria, galgava-o já por todos os lados, impossibilitando o comandante de sair da ponte. Então o Capitão Marcela, sobre a ponte de comando ao ver-se sem bote, não hesitou e lançou-se à água. Os homens dos botes, ao avistarem-no, remaram em seu auxílio e conseguiram agarrá-lo, quando as forças já lhe faltavam.
O Capitão do Inácio Cunha, João dos Santos Labrincha, assim que o seu camarada se aproximou da borda do seu navio, foi ampará-lo, conduzindo-o ao camarote, enquanto os outros náufragos foram confortados pelos outros membros da companha do Inácio Cunha, partilhando os seus beliches.
O navio salvador chegou no final de Setembro ao porto de Leixões com os náufragos do Cova da Iria (existe uma foto comprovativa desta chegada), tendo tido uma calorosa e emocionante recepção da parte dos familiares, autoridades, armadores e entidades relacionadas com o navio.
O jornal O Ilhavense do primeiro de Dezembro de 1991, pela pena de Fernando Parracho, recorda este naufrágio, ao mais minucioso pormenor.

Navio-motor Cova da Iria

Mas, nem tamanho susto fez com que o Cap. Parracho suspendesse alguma viagem. Na safra de 1951, já estava a postos para comandar o Groenlândia.
Ex-Viana, ex-lugre-escuna Groenlândia, foi reconstruído para Armazéns José Luís da Costa & Ca. Lda., nos Estaleiros de António Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1940.
Durante os quatro anos que o comandou, de 1951 a 54, teve como imediatos Manuel Joaquim Pinto, de Aveiro (51), Cesário Augusto Fernandes da Cruz (52) da Gafanha da Encarnação, João André Alão (53),de alcunha, o Rigueira, de Ílhavo e Vital Grandvaux Barbosa, de Lisboa.

Que belo exemplar de bacalhau!...

E em 1955, transferiu-se, numa «nova emposta» para o navio-motor de madeira, Paraíso. E que navio vem a ser este? O Bissaya Barreto, que o nosso capitão já comandara, quando procedia a reparações no Douro, fora destruído por um incêndio, em Janeiro de 1950. Entretanto, reconstruído para a Empresa de Pesca de Portugal, de Ílhavo, em 1955, por José Gomes Martins (o Viola), na Gafanha da Nazaré, cá o temos de volta aos bancos, apelidado de Paraíso, com o capitão Marcela, no seu comando, tendo levado como imediato, Belarmino Ascenção de Oliveira, residente em Ílhavo.

Navio-motor Paraíso

E em 1956? Comandou o navio-motor Rio Antuã, ex-Bissaya Barreto, ex-Paraiso, que, em 1956, passou a pertencer à Empresa de Pesca de Aveiro, com o nome de Rio Antuã. Como imediato, continuou com Belarmino Ascenção de Oliveira, seu imediato, na viagem anterior.
E, a nível da oficialidade, na safra de 1957, foi seu imediato Carlos Augusto Correia Nóbrega da Silva, de Aveiro e, piloto, Aníbal Carlos da Rocha Parracho, seu filho mais velho, que acima referimos como o nosso guia para a elaboração deste trabalho – encontro de gerações, frequente em Ílhavo.
Durante mais 3 anos, de 1958 a 60, pai e filho ocuparam os dois lugares de topo, no navio Rio Antuã.

Cap. Carlos Parracho, a bordo…

E, na campanha de 1961, mais uma «emposta», já quase com sessenta anos, desta vez, para o lugre-motor Adélia Maria, onde já navegaram outros oficiais com quem tive uma ligação muito próxima.
E aí fez cinco viagens, até 1965, tendo sido seu imediato, sempre, um seu outro filho, António Manuel da Rocha Fernandes Parracho, já falecido. Na última viagem, de 65, maleitas do coração atormentaram-no e, por ordem do médico do Gil Eannes, esteve mais «recolhido», ficando o seu filho mais à frente das preocupações do navio e da pesca. E assim deixou definitivamente o mar, após uma longa carreira, tendo-se aposentado em Janeiro de 1972.
O lugre com motor, de madeira, com quatro mastros, Adélia Maria, da praça de Aveiro, foi mandado construir para o armador José Maria Vilarinho, por João Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1948.
Lugre-motor Adélia Maria, na Groenlândia
Mesmo com problemas de coração, ainda viveu bastantes anos no nosso Ílhavo, saboreando uma merecida aposentação. Frequentava assiduamente o Sindicato dos Oficiais, no segundo andar do edifício do Illiabum Clube, onde, com diversos colegas e amigos, jogava cartas e conversava sobre a evolução da vida do mar. «Partiu», descansado, e com o sentimento do dever cumprido, em 23 de Janeiro de 1993, com 89 anos.
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Imagens amavelmente cedidas pelo filho Aníbal Parracho.
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Ílhavo, 19 de Dezembro de 2017
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Ana Maria Lopes
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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Homens do Mar - João de Jesus da Rocha Agra - 40

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João de Jesus da Rocha Agra

Esta história de um Homem do Mar, ou melhor de um Jovem do Mar, tardou a aparecer. Porquê? Como? Quando?
Procuram-se, mas só vêm ter connosco, quando menos pensamos. Depois, cruzam-se os dados do «puzzle» e o jogo bate certo.
Aquando da história de José Duarte Oliveira, que perdeu a vida, em pleno oceano, na ânsia de carregar mais o bote, enquanto pescador do lugre- motor D. Diniz, na viagem de 1952, tendo deixado a sua mulher, eterna viúva, com três filhas para criar, pelo menos a família, emocionou-se com esta narrativa, pressagiada num belo e profundo sonho premonitório.
Num comentário ao sucedido, então, na dita Faina Maior, João Cândido Agra, através do FB, informou-me que um seu tio/padrinho de quem tinha a cédula marítima, também tinha perdido a vida na pesca do bacalhau, num dóri, enquanto pescador do Milena, em 1955. O caso chocou-me, interessou-me e repliquei que haveríamos de falar. Mas, outras tarefas se impuseram.
Eis senão quando, ontem, no Museu Marítimo de Ílhavo (o lugar certo), enquanto apreciava os modelos de embarcações tradicionais apresentados a concurso, dei de caras com o tal João Cândido Agra, ao apreciarmos, ambos, a mesma peça. Deu-se a conhecer, pois já falara, virtualmente, comigo, e contou-me que tinha construído aquele modelo de dóri, patinado pelo tempo, e corroído por alguma ferrugem dos anos, em memória do seu tio/padrinho, que desaparecera, no dóri, enquanto pescador verde (que pesca pela primeira vez), do lugre Milena, em 1955. Alto! O assunto interessou-me, trocámos umas palavras e pedi-lhe que procurasse documentação que tivesse dele, para acertarmos um encontro mais esclarecedor.
Mas, a conversa ficou por ali.
Como se chamava? – perguntei  eu. Não tinha a certeza. João de Jesus?
Seria melhor confirmar.
Ao entardecer, a curiosidade despertou-me e toca de tentar encontrar o nome, entre os maiores da Faina Maior. Mas só com João de Jesus, não chegava lá e os dados não batiam certo. Experimentei teclar também Agra e surge-me um nome que preenchia os requisitos – João de Jesus da Rocha Agra, nascido em Ílhavo, em 20 de Agosto de 1934. Tentei situar-me no tempo, na tragédia e debrucei-me numa foto que já tinha dele – moço, jovem, aprumado, bonitão, de olhos grandes, escuros, vivaços, cheios de sonhos, que se afundaram, eternamente nas águas do oceano. Pareceu-me.
Quem teria sido o capitão do Milena, em meados da década de 50? Mais propriamente, em 1956…
Pensemos nas situações que originavam estes desaparecimentos – o demasiado afastamento do navio, neste caso de pescador-verde, a pouca experiência, uma brisa levantada repentinamente que enraivecera o mar ou um forte nevoeiro, que, rapidamente, toldara o horizonte. Qualquer uma destas razões poderia ter sido o motivo do desaparecimento do jovem João de Jesus Agra. Ou, então, nenhuma destas.
Depois do encontro com o sobrinho e do que me contou, algo mais compôs o cenário, mas, o resultado era aquele e só ele – afundara-se no oceano, enquanto pescava.
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Milena, à entrada de Leixões.

Teria, porventura, pais, que terão sofrido uma dor profunda e eterna, não tinha ainda família constituída, mas, sempre uma mulher, de permeio. Deixara, uma jovem namorada, na sua terra natal – Ílhavo – a sua prometida, com quem tencionava casar, no Dezembro seguinte, após a viagem. Dor sem fim, virara viúva antes do tempo.

Alto, forte, espadaúdo, um castelo de um jovem, engolido pelas águas – assim era o João Agra, nascido em Ílhavo, em 29 de Agosto de 1934, filho de Manuel da Rocha Agra e de Leonor de Jesus. Com a cédula passada pela Capitania do Porto de Aveiro, em 21 de Janeiro de 1951, tinha a formação da Escola de Pesca e fora tripulante do Milena de 1951 a 1956, como como moço nos dois primeiros anos, passando a verde, a maduro e a 2ª linha, à data do acidente.
Nada como tentar escalpelizar e procurar pormenores… No Ciemar, porventura, encontraria a resposta, se a sorte me rondasse. Pedi O Ilhavense e perguntei se havia o Diário Náutico do Milena, da campanha de 1956 (era essa a data certa). E havia. Folheei-o emocionalmente, à espera de algo que me esclarecesse completamente. De folha em folha, cheguei a 6 de Maio e aí, nas observações, surge-me a nota esclarecedora, que procurava – Bom tempo. Chamou-se às 16 15. Pelas 19.30, como todos os botes estivessem dentro, deu-se por falta do número seis, João de Jesus da Rocha Agra, que se afundou com a embarcação que tripulava. Mais uma página e abanada pela emoção, deparei com o:

Termo de Óbito

Aos sete dias do mês de Maio de mil novecentos e cincoenta e seis, o lugre-motor Milena, propriedade da Indústria de Aveirense de Pesca, Limitada, na posição estimada quarenta e seis graus e quatro minutos Norte e quarenta e nove graus cincoenta e nove minutos Oeste de Greenwich, arriou este navio a sua campanha para o exercício da faina da pesca às treze horas e trinta minutos com vento fraco e bonançoso de Oeste-Noroeste, mar encrespado e boa visibilidade, condições estas consideradas como boas e normais para trabalhar, tendo todos os navios arriado e estando à vista, com os botes na água, os bacalhoeiros «Maria das Flores» e «S. Jorge». Pelas dezasseis horas, o Capitão do navio suspendeu e navegou trinta minutos para Les-Sueste, ficando assim todos botes a barlavento.
Pelas dezasseis horas e quinse minutos, içou a bandeira chamando para bordo a sua companha. Os botes começaram a chegar a bordo pelas desassete horas e quinse minutos.
Às dezanove horas e trinta minutos, estando já todos os pescadores dentro, deu-se pela falta do número seis, João de Jesus da Rocha Agra, natural da freguesia e concelho de Ílhavo, nascido a vinte e nove de Agosto de mil novecentos e trinta e quatro, filho de Manuel da Rocha Agra e de Leonor de Jesus e inscrito marítimo na Capitania de Aveiro, sob o número vinte e seis mil seiscentos e trinta. Segundo informações do pescador José Borda d’Água Hilário, o tripulante em questão encontrava-se ao Norte do navio alando o seu aparelho.
Imediatamente o capitão suspendeu e se dirigiu para rumo indicado. Depois de várias pesquisas até ao anoitecer viemos para sotavento da posição indicada onde permanecemos fundeados até ao alvorecer.
Pelas cinco horas do dia oito suspendeu e navegou durante quatro horas e meia a vários rumos contornando a posição em que se encontrava aquele pescador.
Depois de todas estas tentativas e como não se encontrassem quaisquer vestígios, reuniu o Capitão os seus oficiais e principais da equipagem, concordando todos que o desditoso pescador se afundou juntamente com o bote que tripulava quando se encontrava a alar o aparelho tanto mais que as botas de cabedal e o fato de oleado que usava quando pescava lhe dificultavam bastante os movimentos.
A atestar esta afirmação tomamos em linha de conta, em virtude de se encontrarem perto o lugre «Maria das Flores» e navio-motor «São Jorge», pescando também, o facto de por nenhum deles ter sido recolhido, tanto mais que as condições de visibilidade eram esplêndidas. Como aliás o eram inicialmente.
Em fé do que se lavrou o presente termo de óbito, que vai ser assinado pelo capitão e principais da equipagem.

Joaquim Manuel Marques Bela – capitão
Silvério Conde Teixeira – imediato
Flávio da Silva Pereira – piloto
Francisco Malaquias Matias Lau – 1º motorista
Albino Domingues Gafanha – 1ª linha

Folheando o diário, no sentido de saber como se passou o dia seguinte, a bordo, deparei com este registo, no dia 8 – Bom tempo, mar e horizonte. Não se arriou em sinal de luto.
No jornal O Ilhavense de 20 de Maio de 1956, a notícia VARRIDO ao MAR dá-nos conta que de bordo do lugre «Milena» foi varrido ao mar o pescador ilhavense João de Jesus Rocha Agra, solteiro, de Cimo do de Vila.
Consultado o Jornal do Pescador desse ano, não encontrei qualquer referência. No ano de 1953, no mês de Janeiro, p. 16, nas Notas de elogio dos capitães, relativas ao aproveitamento dos alunos da Escola Profissional de Pesca, embarcados na campanha de 1952, o capitão do Milena, Carlos Augusto de Castro, sobre o João de Jesus da Rocha Agra, refere que cumpriu a contento todas as suas obrigações.

Foto da cédula marítima

E por aqui fica o relato de acontecimento tão triste e da preocupação da tripulação em localizar e salvar o desditoso jovem, cuja sepultura foram as profundezas geladas do Oceano.
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Ílhavo, 23 de Novembro de 2017
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Fotos – cedidas pela Família e pela Fotomar
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Ana Maria Lopes
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